Cronologia

ANTONIO GRAMSCI

(1891-1937)

Attilio Monasta – 1993

Tradução: Paolo Nosella

 

Gramsci nasceu na Sardenha, umas das regiões mais pobres da Itália que, como ocorre em geral nas ilhas, manteve uma forte identidade cultural. A Sardenha tem seu próprio idioma, sua história e cultura, que se diferenciam consideravelmente dos “piemonteses” (habitantes da região setentrional da Itália, do Piemonte, cuja capital é Turim), que administraram o reino da Sardenha. Gramsci foi estudar na Universidade de Turim, porém precisou abandonar os estudos por falta de recursos e por graves problemas de saúde. Naquela época, Turim era o centro da industrialização italiana e o lugar da primeira organização da classe operária da Itália.

Gramsci começou sua aprendizagem política e educativa durante a Primeira Guerra Mundial, como jornalista e crítico de teatro. Nas tardes, costumava assistir às reuniões da organização sindical Confederação Geral do Trabalho e do Partido Socialista. Depois da guerra, profundamente identificado com o Turim “vermelho” socialista, criou dois periódicos, Ordine Nuovo e Unità, comum objetivo explícito: educar a nova classe operária criada pela indústria e pela guerra.

O tema prevalente de Ordine Nuovo era a relação entre a “organização científica do trabalho” (taylorismo e fordismo) e a organização científica da educação e da formação. Sem dúvida, essa relação, na qual muitos atualmente identificam o início das ciências educativas, não representava para Gramsci um simples exercício intelectual. Poucos anos antes da guerra, a investigação científica sobre o tema da educação da Itália havia ficado totalmente secundarizada e até rejeitada pelos filósofos idealistas dominantes, Croce e Gentile, que consideravam esse campo de estudo um ramo da filosofia, da ética ou mesmo da religião. Em 1923, Giovanni Gentile, primeiro-secretário de Estado, ou ministro da Educação, do novo governo fascista, reformou completamente o sistema escolar italiano. Acentuou a separação ideológica entre a formação técnica e profissional (para o trabalho) e a formação cultural e científica para o desenvolvimento “espiritual” da humanidade e, naturalmente, para a direção política do país.

A análise de Gramsci era diferente sobre esses problemas, sem cair, porém, na arrogância positivista de considerar que os problemas humanos podiam ser resolvidos pela ciência e tecnologia, nem tampouco na ilusão idealista da “independência” da vida intelectual e cultural com relação aos condicionantes econômicos e políticos. Gramsci considerava, ao contrário, que o vínculo entre a organização do trabalho e a organização da cultura representava a nova “cultura profissional”, a nova preparação técnica e profissional necessária para a mão de obra (desde o trabalhador especializado até o administrador), para esta controlar e dirigir o desenvolvimento industrial e também a nova sociedade que esse desenvolvimento, inevitavelmente, criava.

A partir de 1917, após uma das piores guerras europeias, a Revolução Soviética concentrou, em todos os países, a atenção dos movimentos obreiros, deslocando o foco de atenção dos problemas internos. O Partido Socialista Italiano, assim como de muitos outros países, se dividiu não somente entre “reformistas” e “comunistas”, mas também, entre “reformistas” e “nacionalistas”. Estes, mais tarde, constituíram a facção populista do partido fascista e, poucos anos depois, o regime nacional-socialista (nazista).

A partir de 1922, o regime fascista na Itália abandonou qualquer pretensão de encontrar soluções democráticas, quer para os problemas econômicos, quer para o progresso social, cultural e educativo das massas. Em novembro de 1926, o governo de Mussolini promulgou uma “legislação especial” que dissolvia o Parlamento italiano e todas as organizações de oposição, proibindo até mesmo suas publicações. Como consequência, houve aprisionamentos em massa e Antonio Gramsci também foi encarcerado. Tinha 35 anos, era um parlamentar e, desde 1924, ocupava o cargo de secretário geral do Partido Comunista Italiano. No seu julgamento, em 1928, o procurador-geral concluiu sua requisitória com a seguinte intimação ao juiz: “Devemos impedir esse cérebro de funcionar durante vinte anos”.

O regime fascista entendia claramente que a oposição mais perigosa viria não da ação política no sentido tradicional (isto é, de uma organização), nem de uma oposição intelectual baseada somente em princípios, mas da associação da crítica com a ação de intelectuais e políticos.

O cérebro de Gramsci não deixou de funcionar no cárcere; ao contrário, pouco depois de seu aprisionamento, começou a projetar uma série de estudos que se tornaram naquilo que hoje é considerada a análise mais importante e jamais realizada sobre “hegemonia”, isto é, o nexo entre a política e a educação. Em uma carta dirigida à cunhada Tatiana, com data de 9 de março de 1927, Gramsci se refere à sua ideia de escrever algo fur ewig (para sempre), algo que servia para concentrar sua própria atenção, proporcionando “um foco à sua vida interior”. A primeira parte do projeto era uma história dos intelectuais italianos. Gramsci refere-se a estudos sobre a linguística, sobre o teatro de Pirandello e sobre folhetins (novelas) e gostos literários populares. Mesmo que o plano de estudo pretendesse ser fur ewig, já que sua finalidade era o conhecimento como fim em si mesmo e, não, algum objetivo político prático, nessa mesma carta já se observa um fio condutor que une os diferentes temas. Gramsci define a história dos intelectuais como o processo de “formação do espírito público”. Escreve que os diferentes temas do seu projeto possuem em comum o “espírito popular criador”, isto é, a forma pela qual a hegemonia de um determinado grupo social aumenta, desde o núcleo inicial até sua organização política.

De fato, em outra carta dirigida a Tatiana diz: “o pensamento ‘desinteressado’ ou o estudo como fim em si mesmo para mim torna-se difícil (…) eu não gosto de atirar pedras na escuridão; prefiro ver um interlocutor ou um adversário concreto”, e continua falando sobre a “natureza polêmica” de toda sua formação intelectual.

Gramsci morreu em 1937 sem poder concluir sua obra. Seus 33 Cadernos do Cárcere foram salvos pela cunhada Tatiana, que os levou clandestinamente para fora da Itália. Ele tinha escrito muito antes de ser preso, porém sua reputação como um grande pensador e educador italiano se embasa, para a posteridade, nas Cartas do Cárcere e nos Cadernos do Cárcere.

Fonte: Coleção Educadores

 

 Cronologia

 1891

Em 22 de janeiro, nasceu em Ales (Cagliari , agora Oristano), filho de Francesco, empregado no escritório do registo de Ghilarza, e Giuseppina Marcias, a quarta de sete filhos (Gennaro, Grazietta, Emma, Antonio, Mario, Teresina, Carlo).

1894

Frequenta o jardim de infância das freiras de Sorgono.

1895

Começa a manifestar sua má formação física, devido ao mal de Pott, mas a família atribuía a uma suposta queda dos braços de uma empregada.

1898

O pai é preso por umas irregularidades administrativas. Sua mãe se mudou, com as 7 crianças, para Ghilarza.

1900

Em 27 de outubro, o pai é condenado a 5 anos, 8 meses e 22 dias de prisão, a ser cumprida em Gaeta.

1903

Conclui o ensino elementar, obtendo as melhores notas em todas as disciplinas. Devido as difíceis condições econômicas da família, ele interrompe os estudos. Começou a trabalhar no Cartório de Registros e Impostos diretos de Ghilarza.

1904

O pai é libertado da prisão e retorna à família em Ghilarza.

1905

No outono de 1905, ele se matriculou no ginásio no Instituto de Carta-Meloni de Santu Lussurgiu.

1908

Conclui o ginásio em Oristano e se matricula na escola Dettori de Cagliari.

1910

Publica no jornal de Cagliari “L’Unione sarda“, seu primeiro artigo intitulado “A propósito de uma revolução”.

1911

Após concluir o colegial (ensino médio) em julho, ele passou vários meses em Oristano como convidado do tio Serafino repetidor sobrinho Delio. Em outubro, ele ganhou a bolsa de estudos do Colégio Carlo Alberto em Turim para os estudantes carentes das antigas províncias do reino da Sardenha. Em 16 de novembro se matricula na Faculdade de Ciências Humanas para Filologia Moderna na Universidade de Turim.

1912

O Professor Matteo Bartoli designa algumas pesquisas sobre o dialeto sardo e lhe confiou a organização de material para o curso de lingüística do ano letivo 1912-1913.

1913

Ao assinar Alfa Gamma escreve para “Corriere universitario” os artigos Per la verità e I Futuristi. Auxilia na Sardenha a campanha eleitoral para as primeiras eleições pelo sufrágio universal masculino (26 de outubro – 2 de novembro).

1914

Em outubro, na discussão sobre a posição do PSI frente à guerra, intervém no “Il Grido del popolo“, com o artigo “Neutralidade ativa e operante”.p>

1915

Interrompeu seus estudos universitários e dedicou-se ao jornalismo, intensificando as relações com o movimento socialista. Em dezembro, juntou-se à equipe editorial de Turim “Avanti!“. Ao mesmo tempo, colabora com o semanário “Il Grido del popolo“. 1917Em fevereiro lança o número exclusivo da Federação da Juventude Socialista Piemontesa “La città futura“, que ele editou integralmente. Em setembro assume a direção executiva provisória da seção socialista de Turim e dirige até dezembro o “Grido del Popolo“. Funda com um grupo de jovens socialistas em Turim o “Clube de vida moral”.

1918

Em 5 de Dezembro lança o primeiro número da edição piemontesa de “Avanti!” dirigida por Ottavio Pastore, que ele editou em conjunto com Leonetti , Togliatti e Galetto.

1919

Em fevereiro publicou um artigo intitulado “Estado e soberania” sobre as quinzenais “Novas energias” de Piero Gobetti . Em abril, fundou com Togliatti, Tasca e Terracini , “L’Ordine nuovo“, semanário de cultura socialista, cuja primeira edição sai no dia 1º de maio. Também em maio, é eleito na Comissão Executiva da seção socialista de Turim. Em 20 de julho, durante a greve de solidariedade às repúblicas comunistas da Rússia, foi preso e enviado por alguns dias ao Cárcere novo de Turim.

1920

Em maio, participa em Florença, na qualidade de observador, da reunião da facção comunista abstencionista de Bordiga . Em novembro, participa da conferência de Imola, onde representa oficialmente a facção Comunista do PSI.

1921

Em 1 de Janeiro, sai em Turim a primeira edição do jornal “L’Ordine Nuovo” diário, o qual assume a direção. Participa de Livorno do XVII Congresso do PSI (15-21 de janeiro). Entra para o Comitê Central do PCI.

 1922

Durante o II Congresso do PCI (20 a 24 de março), é designado para representar o partido na Executiva da IC. Em maio, foi para Moscou junto a Bordiga e Graziadei. De 7 a 11 de junho, participou da segunda conferência da Executiva ampliada da IC. Com a saúde debilitada, após o trabalho da conferência é hospitalizado na casa de saúde “Serebrjanij bor”, onde conhece Eugenia Schucht, que estava hospitalizada e, em setembro, sua irmã Giulia. Participa do IV Congresso da IC (5 novembro – 5 dezembro). Em 25 de outubro tem uma conversa com Lenin.

 1923

Impossibilitado de voltar para a Itália, por causa do mandado de prisão emitido contra ele, permanece em Moscou. Em junho, participa dos trabalhos ampliados da III Executiva ampliada da IC. Em 4 de dezembro, chega a Viena ocupando-se, entre outras coisas, da preparação da terceira série do jornal “‘L’Ordine Nuovo”. Possui uma extensa correspondência com Togliatti, Terracini, Scoccimarro.

1924

Em 12 de fevereiro lança em Milão a primeira edição de “L’ Unitá“. Eleito deputado nas eleições de 06 de abril pelo distrito de Veneto, em maio retorna a Itália. Entra na Executiva do PCI e se transfere para Roma. Em agosto, é eleito secretário do partido. Em 10 de agosto, Giulia dá à luz seu primeiro filho, Delio.

1925

Em fevereiro, em Roma conhece Tatiana Schucht, irmã mais velha, Giulia. Entre março e abril, ele retornou a Moscou e participa do V Executiva ampliada da IC. Em maio, intervém na Câmara dos deputados contra o projeto de lei sobre associações secretas, apresentado por Mussolini e Alfredo Rocco. No verão, começa a trabalhar junto a Togliatti nas teses para o Congresso. No outono, Giulia e o pequeno Delio juntam-se a ele em Roma.

1926

No Terceiro Congresso do PCI (Lyon, 20-26 janeiro) apresenta o relatório sobre a situação política geral. No verão, tira umas férias curtas em Trafoi (Bolzano), com Delio, Eugenia e Giulia. Esta última, grávida novamente, retorna a Moscou, onde em 30 de agosto dá a luz a Giuliano. No dia 8 de novembro, após a promulgação de novas leis, Gramsci é preso e trancado na prisão de Regina Coeli em isolamento absoluto. No dia 18 de novembro é atribuído ao confinamento da polícia em Ustica , onde chega em 7 de dezembro.

1927

Em 14 de janeiro, o Tribunal Militar de Milão emitiu contra ele um mandado de prisão. No dia 20 de janeiro é encaminhado a prisão de San Vittore em Milão. A dura vida da prisão tem um impacto sobre sua saúde; a irmã Tatiana transfere-se para Milão e o auxilia.

1928

Em 28 de maio abre em Roma, no Tribunal Especial para a defesa do Estado, o processo – o chamado “processone” – contra Gramsci e o grupo dirigente do PCI . Em 4 de junho, a sentença o condena a 20 anos, quatro meses e cinco dias de prisão. Por causa de sua comprometida condição de saúde é destinado à casa penal para deficientes físicos e mentais de Turim.

1929

Em janeiro obtém a permissão para escrever, e em 9 de fevereiro começa a elaborar os Cadernos. Ao sair de Turim, ele vai terá escrito vinte e um.

1930

No dia 6 de junho é visitado pelo seu irmão Gennaro. Para o fim do ano, com a chegada de alguns companheiros de partido a Turim, começa um ciclo de discussões sobre os intelectuais, o partido e sobre a Constituinte. Estas posições provocam reações de alguns companheiros de prisão, que o acusam de não estar em conformidade com a política do IC, que abandonou a tática da Frente Única.

1932

Na sequência das medidas de anistia para o décimo aniversário da Marcha sobre Roma, a pena é reduzida para 12 anos e 4 meses. Começa a escrita de “Cadernos especiais”. Em 30 de dezembro, sua mãe morre em Ghilarza.

1933

Na sequência do agravamento da sua doença, em 19 de novembro deixa a casa penal de Turim e, após uma breve estadia na enfermaria da prisão de Civitavecchia, chega a clínica do prof. Cusumano em Formia. Recebe a visita de Piero Sraffa. Em outubro é encaminhado o pedido de liberdade condicional que é bem-vinda.

1935

Em seguida tem uma nova crise, em agosto de 1935 é transferido para a clínica Quisisana em Roma. Interrompe definitivamente a elaboração dos cadernos, doa quais resultaram em um total de 29 de notas escritas e 4 de traduções.

1937

Termina o período de liberdade condicional e recupera a liberdade completa, em 25 de abril sofre uma hemorragia cerebral. Dois dias depois, ele morre. Suas cinzas são primeiramente depositadas no cemitério de Verano e em setembro do ano seguinte transferidos para o Cemitério Protestante de Roma.

 

Fonte: http://www.fondazionegramsci.org/antonio-gramsci-2/

Tradução: Joeline Rodrigues e Sávio Abreu